Como dissemos no post anterior, estamos em plena campanha pelo direito a um parto respeitoso para todas as mulheres. Divulgamos várias ações neste sentido, quero agora reforçar nossa coleta de denúncias de casos de violência obstétrica no Recife.
Já falamos de alguns exemplos, então vou agora me deter a alguns detalhes para pensarmos a respeito.
Deixando de lado todo tipo de questão que vá além das constatações clínicas, o pré-natal se transformou hoje na prescrição e leitura de exames, pesagem e aferição da pressão arterial da gestante. "Dr., vamos conversar sobre o parto? Deixe comigo, minha filha, se preocupe com o enxoval...". Não se fala sobre o parto, não se fala sobre o trabalho de parto - seus indícios, suas fases, sua fisiologia. Algo que me chama a atenção é o número de mulheres que, ao começarem a sentir contrações, vão para a internet postar perguntas nas redes sociais: "Será que chegou a hora? E agora?". Esta realidade é bastante diferente do tempo de nossas avós, quando, de uma maneira ou de outra, as mulheres presenciavam em suas casas o nascimento de muitos bebês. Hoje, a mulher que quiser ter acesso à informação, muito provavelmente terá que procurá-la por conta própria, em grupos de apoio ao parto normal, presenciais ou virtuais.
Desinformada e insegura com relação ao que acontece em seu corpo no momento do parto e no puerpério, a mulher fica diante de um engodo de escolha. Ou é cortada por baixo (o parto normal repleto de intervenções, com a episiotomia como seu símbolo maior), ou é cortada por cima (e se submete a uma cesárea que supostamente a livraria de todo o sofrimento de um parto normal "medieval".
Há quem diga que a causa das altas taxas de cesáreas é que as mulheres de hoje não querem mais ter um parto normal. Certamente, a maneira como nossa sociedade lida com a dor (anestesiando-a, sempre), é diversa de como era em outros tempos. Mas ficar neste plano é ser, no mínimo simplista.
Algumas pesquisas têm apontado para a preferência da mulher, a princípio, pelo parto normal, e como esta vontade é desencorajada ou desrespeitada por seus médicos.
http://www.bemparana.com.br/noticia/57995/mulheres-preferem-parto-normal-mas-acabam-fazendo-cesariana
http://www.aleitamento.com/humanizacao-parto/conteudo.asp?cod=695
http://www.istoe.com.br/reportagens/detalhePrint.htm?idReportagem=25434&txPrint=completo
Há mulheres, também, que ao engravidarem não têm uma preferência clara pela via de parto, ou que até concordam com os benefícios do parto normal, mas que em suas trajetórias de vida tiveram contato com inúmeros relatos de atendimentos desastrosos a mulheres próximas. Acontece que, como eu disse acima, o tipo de atendimento pré-natal que a maioria de nós tem acesso de forma alguma trabalha com estas questões.
A banalização da cesárea eletiva é tamanha na atualidade, que chegamos aos absurdos 97,3% de cesáreas em um hospital da rede privada do Recife no ano de 2010 (e eu soube de um dado ainda não confirmado de que outra maternidade teria tido, em 2011, 100% de cesáreas!).
Estas cesáreas feitas sem justificativa médica plausível, como é o caso da maioria delas, já que a OMS recomenda um percentual máximo de 15%, além de colocarem mulheres e bebês em risco maior, trazem problemas para as mulheres que desejam um parto normal. Não é exagero dizer que um dos maiores medos das mulheres grávidas que desejam parir em hospitais privados é entrar em trabalho de parto e não conseguir vaga nos hospitais. A peregrinação das mulheres em trabalho de parto é, assim, colocada para as mulheres de classe média, assim como para as usuárias do SUS - que frequentemente são encaminhadas para maternidades em outras cidades da região metropolitana, dificultando o acesso dos acompanhantes e visitantes durante a internação.
A mão e o poder do médico obstetra não se limitam, contudo, à prática da cesárea mal recomendada. A despeito da etimologia da palavra obstetrícia, obstare: estar ao lado, parece que há uma grande dificuldade por parte dos profissionais que assistem partos em permanecer neste plano, o da assistência. Isto não seria pouco, é o que toda mulher realmente precisa, de alguém que lhe ofereça a segurança de saber que, se houver necessidade de uma intervenção, há um profissional ali lhe dando a atenção necessária. O que acontece, pelo contrário, é o abuso de intervenções mal indicadas, mal conduzidas, sem informação ou consentimento das mulheres. Faz-se o que se acredita que precisa ser feito, em todas as mulheres - a internação precoce, a administração de ocitocina sintética, a analgesia, a episiotomia, etc. etc.
As intervenções desnecessárias começam no pré-natal, na solicitação de exames que vão além das necessidades da maioria das mulheres, gestantes de baixo risco, e se estendem até os primeiros cuidados com o bebê, com as aspirações, lavagens, colírio...
http://ishtarsorocaba.blogspot.com.br/2012/05/as-50-intervencoes-desnecessarias.html?spref=fb
A questão dos acompanhantes também merece registro. A Lei Federal determina que o acompanhante deverá ser escolhido pela mulher, mas as instituições públicas insistem em restringir a entrada de homens, alegando falta de estrutura (enquanto o Ministério da Saúde diz que há recursos para os hospitais públicos se reestruturarem, mas que eles não encaminham os projetos). Ouvi uma vez a fala de uma representantes de uma maternidade municipal de Recife sobre o “grande problema” que é quando um homem “resolve” ver o parto de sua companheira, porque é preciso acionar os psicólogos, conseguir um laudo psiquiátrico para atestar que ele tem condições de estar presente sem incomodar. Fala dita numa audiência pública sobre a Lei do Acompanhante, no MP-PE! Em alguns lugares, restringe-se a entrada de qualquer acompanhante, independentemente de sexo. E na rede privada, continua a cobrança de taxas já proibidas, que são cobradas em espécie e antecipadamente. Em todos os hospitais, dependendo do médico que atende o parto, a mulher precisa escolher entre a companhia do companheiro ou da doula (que muitos médicos consideram como sendo um empecilho para sua boa prática intervencionista). Claramente, não há o entendimento de que a presença do acompanhante de livre escolha da mulher no momento de seu parto é positiva, saudável e deva ser estimulada.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11108.htm
http://www.saudebrasilnet.com.br/Direitos/taxa-para-acompanhante-de-parto-fica-proibida.html
Tudo se complica e o caos se completa quando, em meio a todo este atendimento de péssima qualidade, a mulher é literalmente ofendida, mal tratada, negligenciada. Uma pesquisa aponta para um percentual de 25% das mulheres se dizendo vítima de maus tratos durante seus partos. Um quarto das mulheres que participaram desta entrevista, diz ter ouvido frases humilhantes dos profissionais que deveriam estar lá para atendê-las com dignidade. Quem nunca ouviu uma história com um "não grita, se não teu bebe vai ficar surdo", "pra fazer, não reclamou", "se entrou tem que sair", ou os mais sutis, "vai, filha, foça, agora, assim não, tá fazendo errado, não tá ajudando".
Este percentual seria ainda maior se considerássemos toda intervenção feita de maneira abusiva e sem o consentimento da mulher como sendo também um dos maus tratos possíveis.
Por tudo isto, dizemos: PARTO NAO COMBINA COM VIOLÊNCIA. PARTO COMBINA COM RESPEITO.
Denuncie os casos de violência obstétrica e institucional ao qual você, sua irmã, sua companheira, sua filha, sua amiga... foi submetida! Estamos aqui para ajudar neste processo. Você sabia que o Ministério da Saúde não dispõe de nenhum serviço com esta finalidade? Que a violência contra a mulher, para o Governo Brasileiro, a despeito de todas as regulamentações e recomendações para um parto seguro, e da política de humanização do parto, parece estar preparado apenas para receber as denuncias de violência doméstica?
Vamos fazer acontecer esta demanda, levando casos concretos aos Ministérios Públicos Estaduais e Federal, e fazendo com que estes, e também os Censelhos de Medicina, se posicionem a favor de um atendimento mais respeitoso ao parto no Brasil.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
terça-feira, 22 de maio de 2012
Repensando a atenção obstétrica no Recife
Marcando o Dia Mundial de Ação pela Saúde da Mulher e Dia Nacional de Combate à Mortalidade Materna, 28 de maio, o Grupo Curumim, o Instituto Nômades, o Ishtar - Espaço para Gestantes, a Maternar e o Grupo Narrativas do Nascer/UFPE estão promovendo uma série de ações para chamar a atenção da população para as diversas situações de violência obstétrica que têm sido vivenciadas por mulheres em Pernambuco, e gostaríamos de poder contar com a participação do maior número possível de pessoas para dar força ao movimento.
Na quarta-feira, dia 23, teremos, no âmbito do 38º Congresso de Ginecologia e Obstetrícia, o debate "Modelo de Atenção Obstétrica no Recife: Identificando problemas e encontrando soluções". Todos são bem vindos para este evento: usuárias do sistema de saúde (público e privado), profissionais, ONGs, representantes do poder público, representantes das maternidades do Grande Recife, e todas as pessoas interessadas. Durante o evento estaremos também coletando denúncias de situações de violência obstétrica vivenciadas por mulheres em seus partos.
Na segunda-feira, dia 28, pela manhã, entregaremos ao Ministério Público Federal as denúncias de violência obstétrica coletadas. À tarde, durante o evento "Entre as Orelhas: O parto como evento integrativo", que acontecerá na UFPE, faremos o lançamento de uma campanha contra a violência obstétrica.
Até sábado, dia 26, estamos coletando denúncias de situações de violência obstétrica vividas durante o parto. Quem não conseguir levar sua denúncia ao evento da quarta-feira pode enviar por email para: boahora@institutonomades.org.br. Nas denúncias deve constar o fato ocorrido, nome da maternidade, data e hora da ocorrência. Exemplos de violência obstétrica:
- Cesáreas feitas sem justificativa médica plausível
- Intervenções (como uso de soro com ocitocina, episiotomia, empurrões na barriga, restrição de liberdade de posições e movimentos etc.) feitas durante o parto sem justificativa e/ou consentimento da mulher
- Mulheres em trabalho de parto que não conseguiram ser internadas na maternidade porque precisavam ter feito agendamento
- Tratamento desrespeitoso (tais como frases humilhantes, negligência, etc.)
- Restrição da entrada de ao menos um acompanhante da escolha da mulher durante qualquer momento do trabalho de parto, parto e pós-parto no hospital
- Dentre outros.
Contamos com a participação de vocês! Vamos nos mobilizar para transformar a assistência ao parto no Recife!
Na quarta-feira, dia 23, teremos, no âmbito do 38º Congresso de Ginecologia e Obstetrícia, o debate "Modelo de Atenção Obstétrica no Recife: Identificando problemas e encontrando soluções". Todos são bem vindos para este evento: usuárias do sistema de saúde (público e privado), profissionais, ONGs, representantes do poder público, representantes das maternidades do Grande Recife, e todas as pessoas interessadas. Durante o evento estaremos também coletando denúncias de situações de violência obstétrica vivenciadas por mulheres em seus partos.
Na segunda-feira, dia 28, pela manhã, entregaremos ao Ministério Público Federal as denúncias de violência obstétrica coletadas. À tarde, durante o evento "Entre as Orelhas: O parto como evento integrativo", que acontecerá na UFPE, faremos o lançamento de uma campanha contra a violência obstétrica.
Até sábado, dia 26, estamos coletando denúncias de situações de violência obstétrica vividas durante o parto. Quem não conseguir levar sua denúncia ao evento da quarta-feira pode enviar por email para: boahora@institutonomades.org.br. Nas denúncias deve constar o fato ocorrido, nome da maternidade, data e hora da ocorrência. Exemplos de violência obstétrica:
- Cesáreas feitas sem justificativa médica plausível
- Intervenções (como uso de soro com ocitocina, episiotomia, empurrões na barriga, restrição de liberdade de posições e movimentos etc.) feitas durante o parto sem justificativa e/ou consentimento da mulher
- Mulheres em trabalho de parto que não conseguiram ser internadas na maternidade porque precisavam ter feito agendamento
- Tratamento desrespeitoso (tais como frases humilhantes, negligência, etc.)
- Restrição da entrada de ao menos um acompanhante da escolha da mulher durante qualquer momento do trabalho de parto, parto e pós-parto no hospital
- Dentre outros.
Contamos com a participação de vocês! Vamos nos mobilizar para transformar a assistência ao parto no Recife!
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